Em entrevista exclusiva, o ex-Beatle falou sobre o novo disco, a histórica apresentação no Maracanã em 1990 e a infância em Liverpool
“Mande meu amor para a plateia de Salvador e diga que vamos ter uma grande noite”. É assim, com a já conhecida gentileza que marca seu caráter, que Paul se despede da entrevista que concedeu com exclusividade ao CORREIO por telefone, de Nova York, poucas horas antes de se apresentar naquela noite.
Depois de décadas de espera, finalmente o ex-beatle vai se apresentar em Salvador, no dia 20 de outubro. O show na Arena Fonte Nova faz parte da turnê One on One, em que ele canta cerca de 40 canções que marcaram sua carreira solo, além de clássicos dos Beatles, como Let it Be e Hey Jude.
Aos 75 anos de idade e depois de alcançar todas as marcas que qualquer artista poderia desejar, Paul diz o que ainda lhe motiva é a energia do público: “Acho que a plateia se cansa mais do que eu no show”, brinca o músico.
Na conversa com o CORREIO, ele relembra a histórica apresentação que fez no Maracanã, em 1990, quando uma chuva que persistia por dias esvaiu-se milagrosamente uma hora antes de ele entrar no palco. E, num dos trechos mais emocionantes, ele fala sobre como foi crescer em Liverpool, uma cidade que havia sido bombardeada durante a II Guerra Mundial e, por isso, impunha uma série de restrições: “Qualquer prazer, por menor que fosse, era um luxo para nós, afinal não tínhamos quase nada”.
Sua primeira vinda ao Brasil foi em 1990, naquele show histórico no Maracanã, com mais de 180 mil pessoas. Que lembranças tem do show e dos dias que antecedaram a apresentação?
Aquele show foi ótimo e tenho uma lembrança muito especial. Mas me lembro também de estar indo para o Maracanã, que era muito famoso e imenso, e nós todos estávamos muito emocionados e chovia demais. A gente passou uma semana ensaiando e só chovia, chovia e chovia. Na entrevista coletiva, alguém me perguntou o que eu faria se chovesse durante o show e eu disse: ‘A chuva vai parar’. E a minha equipe me olhou dizendo: ‘Você está brincando?!’. Aí, uma hora antes de entrar no palco, a chuva parou e todos me reverenciaram como se eu tivesse um pacto secreto com alguma entidade. Foi tudo muito bem, felizmente. Mas a maior lembrança que fica é de um público maravilhoso que estava curtindo a música. Ah, e eu não vi, mas uma pessoa que trabalhava na minha equipe disse que estava dando uma volta na plateia e viu um casal fazendo amor. E isso ficou em minha memória.
Esta é sua primeira apresentação em Salvador, que há décadas esperava pelo seu show. O que os baianos podem esperar desta apresentação?
A verdade é que sempre que vamos à América do Sul, nossa expectativa é especial em relação à plateia, que ama música. Então, vamos ficar muito felizes e com certeza vamos ter uma grande noite. Será uma grande festa e a nossa expectativa é principalmente de nos divertirmos.
Você vai passar por quatro cidades brasileiras em apenas uma semana. Ainda assim, acha que terá tempo para aproveitar a vinda a Salvador como turista?
Normalmente, nós vamos àqueles lugares que dizem ser os mais interessantes, mas infelizmente nem sempre a gente tem tempo. Mas, se tivermos tempo, vamos sim viver a cidade como turistas.
Há exatos 50 anos, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band foi lançado e ainda hoje é apontado por muitos críticos como o maior álbum da história. E você, concorda com isso?
Sinceramente, não sei, porque depende do gosto de cada um. Mas esse foi um disco especial e revolucionário na época. E nós certamente nos divertimos criando aquele álbum porque liberamos a imaginação totalmente. A liberdade criativa que tivemos tornou aquele disco especial. Algumas pessoas talvez prefiram outros, mas é para mim um de meus álbuns especiais.
Muitos artistas brasileiras já gravaram canções suas e dos Beatles. E você conhece a música brasileira?
De uma maneira geral, o ritmo da música brasileira me interessa. E tenho alguns discos que ouço quando quero levantar o astral. A música brasileira me deixa feliz. Não me lembro agora quem é, mas tenho um CD de uns brasileiros que é um dos meus favoritos e eles são bem conhecidos aí.
Você nasceu em Liverpool, em 1942, durante a II Guerra Mundial. Como foi viver numa cidade que estava sob os escombros de um conflito bélico?
Nasci durante a Guerra, mas não me lembro do conflito exatamente. Minhas primeiras lembranças são mesmo de depois da Guerra e as condições eram realmente severas: havia racionamento e não tínhamos a comida de que precisávamos. Tudo era racionado. Às vezes, conseguíamos algo especial porque minha mãe era parteira e ela conseguia umas comidas especiais para a gente, para tornar os bebês mais saudáveis. E uma dessas coisas era um suco de laranja concentrado que nós amávamos, era exótico para nós. Mas qualquer prazer, por menor que fosse, era um luxo para nós, afinal não tínhamos quase nada. Mas eu tive uma infância muito feliz porque todos viviam mais ou menos do mesmo jeito e não havia diferença entre nós e as outras pessoas que eu conhecia. Todos nós vivíamos na mesma situação.
E o que você e seus amigos faziam para se divertir num cidade destruída pela guerra?
Jogávamos futebol na rua, e se não tivesse uma bola, a gente chutava uma latinha mesmo. Ganhei uma bibicleta quando fiz 11 anos e saía andando com elea pela cidade. Eram prazeres simples, mas muito especiais. Mas aquilo foi bom de certa forma porque nos deixou sedentos pelo sucesso. Embora tudo que a gente queria na época era ter um carro, um violão e quem sabe, um dia, uma casa. Cada coisinha era muito especial.
Você recentemente realizou uma parceria com Kanye West e Rihanna na canção FourFiveSeconds. Gosta de trabalhar com artistas mais jovens?
Eu gosto de fazer algo diferente e neste caso, ele me pediu para trabalhar com ele e achei muito interessante. Gosto do trabalho dele, ele é talentoso e fiquei feliz de trabalhar com ele. Mas a questão não é trabalhar com artistas mais jovens, mas com pessoas interessantes e ele é, definitivamente, é interessante.
Você já está preparando mais um álbum solo? O que seus fãs podem esperar dele?
Estou indo fazer um show no Barclays Center (no Brooklyn, em Nova York), hoje à tarde, mas, ainda assim, entre um show e outro, eu vou fazendo o novo disco. E é interessante porque há uma faixa especial para o Brasil, mas é tudo que posso te dizer agora. E acho que vocês vão gostar disso.
Os Beatles realizaram sua última apresentação ao vivo no Candlestick Park, em 1966, antes de pararem de realizar shows. Em 2014, o senhor retornou ali para se apresentar. Como foi retornar ao local?
O estádio estava para ser demolido e nós seríamos os últimos a tocar lá e achamos que seria uma ótima ideia retornar ali, para marcar o evento. Fizemos um show bacana. Nos convidaram e perguntaram se daríamos a honra de fazer o show que encerraria o estádio. Como o último show dos Beatles havia sido ali, ficamos muito felizes.
O senhor ainda mantém contato com Ringo Starr? Ainda se encontram com frequência e sobre o que costumam conversar?
Sim, nós nos vemos com certa regularidade. Ele vive em Los Angeles e quando eu vou lá, o vejo sim. Toquei baixo no disco mais recente dele (Give More Love) em algumas faixas. Eu frequento a casa dele e ele, a minha sim. Falamos sobre fatos recentes, que aconteceram no dia anterior e também falamos da nossa história, das boas lembranças que temos.
Aos 75 anos de idade, o senhor ainda se apresenta por quase três horas num show bem agitado. Além disso, já é artista há quase 60 anos e já conquistou tudo que um ser humano “normal” poderia desejar? Você nunca se cansou?
Na verdade, não fico cansado. Acho que o público se cansa mais do que eu. É surpreendete porque sempre achei que um dia ia ficar cansado ou entediado, mas o que eu faço é muito interessante. Mas o que é especial mesmo é o público. Gosto de tocar, de cantar e tenho uma banda ótima, de primeira qualidade. Então, curtimos tocar juntos. Mas o principal é aquilo que você recebe da plateia. Temos uma resposta ótima da plateia e é isso que me motiva a fazer mais. Então, em vez de me sentir cansado, eu me sinto ainda mais energizado por causa do público.