Um jovem inglês de 15 anos que sonha ser engenheiro de som de uma
grande gravadora. É assim que começa a história de Geoff Emerick, que
superou seus objetivos profissionais ao ter o privilégio de acompanhar
praticamente toda a existência da banda formada pelos garotos de
Liverpool, contada em sua biografia “Here, there and everywhere: Minha
vida gravando os Beatles”, que acaba de chegar ao Brasil pela Editora
Novo Século.
Emerick sempre foi um aficionado por música. Quando criança se
deliciava nos porões de seus avós com discos antigos tocados numa
vitrola. Narra com emoção o primeiro rádio que ganhou de presente do
pai. A bateria usada que comprou por três libras. O piano, a guitarra e a
flauta que aprendeu a tocar sozinho. Mas desde cedo decidiu que não
queria ser músico, queria ser engenheiro de som.
Ao terminar o colégio, optou por não ir para a faculdade. Mandou
cartas para as quatro principais gravadoras de seu país pedindo um
emprego como técnico. Todas foram negadas. Até que um orientador
vocacional de seu colégio soube das intenções do jovem e conseguiu uma
entrevista para ele na EMI, uma das mais importantes na época. Mesmo sem
experiência, foi contratado
Logo que começou o trabalho foi escalado para gravar uma banda
formada por quatro integrantes: John Lennon, Paul McCartney, George
Harrison e Ringo Starr.
“A maioria das pessoas pensava que Lennon era o líder dos Beatles por causa das entrevistas e aparições públicas, mas ao longo dos anos sempre me pareceu que McCartney era o verdadeiro líder. Nada era feito sem que ele aprovasse”, lembra.
“A maioria das pessoas pensava que Lennon era o líder dos Beatles por causa das entrevistas e aparições públicas, mas ao longo dos anos sempre me pareceu que McCartney era o verdadeiro líder. Nada era feito sem que ele aprovasse”, lembra.
Ao longo das 480 páginas, Emerick descreve a personalidade e os
talentos distintos de cada um dos Beatles. Conta em detalhes os ensaios e
os testes que fizeram para dezenas de músicas. As exaustivas horas que
passaram dentro dos estúdios. As brigas. As drogas. A constante busca
pela perfeição.
“Os Beatles estavam exigindo cada vez mais, muito mais, tanto de mim
quanto da tecnologia. Eram perfeccionistas e nem sempre entendiam os
limites dos instrumentos musicais”.
A fama merece um capítulo à parte.
“Nos primeiros dias de Beatlemania sempre parecia haver ao menos uma
centena de meninas acampadas do lado de fora do estúdio”. Emerick relata
um dia que “meninas histéricas” invadiram a gravadora, correndo e
gritando por seus ídolos e sendo perseguidas por policiais e seguranças.
“Ringo,
ainda em seu banco de bateria, parecia um pouco abalado, mas John, Paul
e George logo começaram a brincar com a situação, correndo pelo
estúdio, rindo e gritando, imitando as fãs”.
O engenheiro de som participou de alguns dos mais importantes álbuns
da banda, revelando as fases pelas quais os Beatles passavam em cada um
deles. “Revolver”, lançado em agosto de 1966, contava com toda a
empolgação de jovens recém-lançados ao sucesso. Cansados pelos desgastes
de uma turnê internacional, decidiram focar-se apenas nas gravações em
estúdios, tendo passado quatro meses e meio na preparação de “Sgt.
Pepper’s”, lançado em junho de 1967.
No ano seguinte, em novembro de 1968, foi lançado o Álbum Branco, ou
simplesmente “The Beatles”. Na mesma época, os integrantes da banda
abriram a Apple Corps – para a qual Emerick foi convidado a trabalhar -,
uma empresa que pretendia lançar novos artistas ao mercado, mas que, na
verdade, nunca decolou. Nem todas as músicas agradavam mais. Precisaram
aprender a lidar com as críticas.
“Era como se alguém tivesse lhes mostrado que eles não eram tão
importantes quanto pensavam. Eles sentiam que podiam gravar quase
qualquer coisa e o público aceitaria, mas não era tão simples assim”.
Mesmo em meio às rachaduras e tensões, em 1969 foi lançado o “Abbey Road”.
“A ideia era que o álbum se chamasse ‘Everest’, mas eles não quiseram
ir até lá para fazer as fotos. Então, Ringo disse: Que se dane, vamos
lá fora e chamamos o disco de ‘Abbey Road’”, que era o nome da rua onde
ficavam os estúdios. Eis que surgia a faixa de pedestres mais famosa do
mundo, que ainda hoje todos os dias recebe dezenas de turistas para
reproduzir a imagem que estampou o álbum
Em 1970, logo após o lançamento de “Let it Be”, é anunciado o fim da
banda. Emerick continuou na Apple Corps e fez trabalhos solo para
McCartney, de quem se tornou um grande amigo. Lembra ainda quando soube
do assassinato de John Lennon, em 1980.
“A morte dele me deixou arrasado por um bom tempo. John pode ter tido
uma natureza agressiva, mas ele também tinha um senso de humor
maravilhosamente sarcástico”.
Quase 25 anos depois, em 1994, fruto de uma parceria entre os três
Beatles e a viúva de Lennon, Yoko, o fiel engenheiro de som ajudou no
lançamento do documentário “The Beatles Anthology”, que reuniu imagens e
entrevistas inéditas da banda.
“Enquanto ouvia cada claquete anunciando o título e o número das
faixas, eu sentia que era imediatamente transportado para aquele momento
no tempo, de volta ao lugar de inocência e admiração, uma época em que o
céu parecia ser o limite para jovens idealistas de todo o mundo…
sobretudo para quatro rapazes de Liverpool”.
A riqueza de detalhes é algo que realmente impressiona durante a
leitura. Nada passa despercebido aos olhos do atento engenheiro de som.
Sua sensibilidade aguçada é capaz de interpretar até os sentimentos mais
profundos de um Beatle apenas com um olhar. O leitor sente-se como um
convidado de honra para acompanhar a construção de músicas que
embalariam toda uma geração – e o melhor: direto do estúdio. Uma
experiência indispensável a qualquer Beatlemaníaco.
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