domingo, 18 de fevereiro de 2018

Há 50 anos os Beatles chegaram à Índia - “E a serenidade? Onde está?”

“Adorei a companhia de John e George, especialmente do George, que estava a levar seriamente a meditação”, reflete Prudence Farrow, que ao contrário dos populares versos, afinal até foi lá fora brincar um pouco e conhecer os colegas de bungalow. “As mulheres deles acho que estavam apenas a curtir a beleza de lugar, e é verdade que a certa altura apareceram executivos e advogados que foram muito perturbadores para a minha meditação, não tinham a mínima ideia do que se estava a passar ali”.
A irmã de Mia Farrow não ficou indiferente ao burburinho que acabou mesmo por assinalar o início de fim dos Beatles na Índia, quando cada um a seu tempo acabaria por abandonar o Maharishi, com a brutalidade da realidade a obrigar a voltar a Londres. Brian Epstein, o manager conhecido como o quinto Beatle, estava morto, notícia que tiveram que absorver quando tinham acabado de começar a testar os ensinamentos do Maharishi, no País de Gales. “Foi muito estranho ter acontecido naquele momento preciso”, recordou George em “Anthology”. “Começas a fazer a viagem interior e no mesmo dia o Brian bate as botas, foi muito far out.” Ringo Starr, sempre mais económico nas palavras, descreveu o estado de espírito melhor que ninguém: “Ficámos como galinhas sem cabeça”.
A solução para fugir da morte do amigo foi um retiro no outro lado do mundo, mas mesmo com todas aquelas horas de meditação e comida vegetariana, Brian insistia em continuar morto, deixando a responsabilidade de organizar o negócio mais rentável e volúvel da década para a própria banda — que como hoje sabemos, nunca mais recuperou desta perda fatal.
“No fundo, a viagem à Índia foi uma oportunidade única para os Beatles encontrarem alguma serenidade, longe dos milhões de fãs e das coisas que tinham de tratar”, reflete Jenny, “mesmo que não tenha sido o que esperavam, deu essa oportunidade para olhar com mais atenção para dentro deles”. Ringo, que começa rapidamente a odiar todo o projeto, abandona Ashram passado duas semanas, McCartney fica cinco semanas, e Lennon e Harrison insistem no transcendentalismo mais uma boa temporada. “Tivemos umas belas férias na Índia e voltamos para ser homens de negócios”, respondia Lennon um tempo depois com alguma mágoa, no mesmo tom sarcástico com que gozou com o canadense , ou que cantou “Sexy Sadie”, sobre o Maharishi, a canção que definitivamente afastou os Beatles dos ensinamentos do guru sorridente, com aquelas primeiras linhas cortantes:
“Sexy Sadie, what have you done
You made a fool of everyone”
“Na verdade, esta forma de meditação do Maharishi com mantra tem mil anos”, explica-nos Paul Saltzman sobre o controverso guru que se fosse vivo teria 100 anos. “Aquilo era tudo um pouco de marketing, feito por pessoas menos boas da organização que rodeava o Maharishi, que ainda acredito ter sido uma pessoa muito pura”.
Os Beatles mudavam de ideologia e som como quem troca de calças, seres alados insusceptíveis a fixarem os pés no chão, sempre receptivos e sempre céticos, ao contrário da querida Prudence, de Jenny e de Paul, que de olhos fechados e sussurros de mantras sentiram a vida mudar bruscamente, com esta viagem de há 50 anos. Para celebrar a data, Paul Saltzman prepara ainda este mês um regresso ao Ashram, onde pretende finalizar um documentário sobre os Beatles na Índia (“The Beatles In India”, que deve estrear ainda este ano).
“Quando comecei a revelar algumas destas coisas que aconteceram na viagem, a mostrar as fotografias, o meu melhor amigo veio ter comigo chocado porque nunca lhe tinha mencionado nada disto”, confessa Paul, o herói improvável de coração partido que tocou nos deuses e sobreviveu para contar a história. “Mas o que as pessoas têm de entender é que conhecer os Beatles na Índia foi a experiência mais profunda da minha vida.”

Texto das 4 partes de  Luis Freitas Branco

fonte/source: Observador e Livemint

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