O Ashram, que atualmente está nos últimos retoques de uma grande reforma, na expectativa de receber turistas durante o mês que assinala os 50 anos dos Beatles na Índia, tem primeira data de celebração dia 15, quando chegou metade da banda, sendo que os restantes aterraram dia 19, acompanhados pelas mulheres e amigos ilustres como Mike Love dos Beach Boys e o músico folk Donovan. “O cenário era inspirador, com os Himalaias cobertos de neve”, diz-nos Jenny. “O céu azul e o cascalho serpentedo pelo rio Ganges abaixo…”
“A minha maior surpresa no meio daquilo tudo foi perceber como os Beatles não estavam corrompidos pela fama, não tinham aquele ar superior que as pessoas famosas têm, estavam mesmo à vontade”, garante Prudence. “Ficávamos sentados perto do rio cantando, enquanto o George e o John tocavam alguma coisa, o George sempre com a cítara e eu, a Pattie, e a Cynthia [que era então mulher de Lennon] sentados no teto do nosso bungalow enquanto eles criavam canções”. É assim que Jenny descreve o dia-a-dia de uma banda que passou de uma sequência imperturbável de shows, álbuns e cortes de cabelo, para trajes brancos e barba por fazer, passando o tempo com missangas.
“Eles estavam conversano e eu não queria interromper”, lembra Paul Saltzman, sobre a primeira vez que viu os músicos e companhia. “O John Lennon olhou para mim e disse para eu me sentar, quando me sentei pensei ‘meu deus, são os Beatles!’. Depois, o John perguntou daquela maneira sarcástica se eu era americano — o que não era um elogio. Disse que não, e respondeu para os outros ‘é de outra colónia’. Perguntou ainda se eu prestava devoção à rainha, disse que nunca, e o Ringo afirmou que mesmo assim tinha de usar dinheiro com a cara dela. Respondi: ‘Mas vocês é que têm de a aturar!’ Todos se riram e assim passei uma semana com eles, como se fossem pessoas normais”.
Saltzman, que é um produtor reconhecido no cinema canadiano e vencedor de um Emmy, onde a filha encontrou um baú no sótão repleto de fotografias dos Beatles na Índia, que o pai esquecera por completo. Sem pedir autorização, fotografou a todo direito os fab four no Ashram, material exclusivo que até hoje recusa a vender. No The Beatles Story, museu em Liverpool, expõe no dia 16 de fevereiro algumas destas fotografias, na companhia de Jenny Boyd e da irmã, que prometeram conversar com todos os beatlemaníacos presentes.
“A comida era horrível, sou alérgico a imensas coisas”, reclama Ringo na colecção “Anthology”. “Levei duas malas, uma com roupa e outra com feijões Heinz”. O pau para toda a obra, mítico assistente Mal Evans, fazia o preparo para o baterista, sensível à dieta vegetariana e à imposta sobriedade, exigências do dono da casa. “Sentávamos-nos nas montanhas comendo aquela comida vegetariana horrível e compondo músicas”, conta John. “Escrevemos toneladas de músicas na Índia.” Em modo frenético, alguns dizem que escreveram mesmo 48 canções, John e Paul prosseguiram a incessante competição criativa que alimentava a banda, sempre com o ouvido atento a qualquer ajuda dos amigos.
Donovan, sem consciência disso, ensina os dois a dominar a guitarra através de novas fórmulas, o que possibilitou temas como “Dear Prudence”, “I Will” e tantas outras que fazem parte de White Album, que gravaram pouco tempo depois desta excursão indiana. Mike Love, beach boy e um dos letristas mais engenhosos dos anos 60, sugere que transformem “Back in The USSR” numa homenagem às mulheres comunistas. E o pequeno velhinho sorridente que quer salvar o mundo, como Paul Saltzman chamava ao guru, vê alguns dos seus ensinamentos esvoaçarem para dentro de versos, como em “Everybody’s Got Something to Hide Except Me and My Monkey”:
“The deeper you go, the higher you fly
The higher you fly, the deeper you go
So come on come on
Come on it’s such a joy”
The higher you fly, the deeper you go
So come on come on
Come on it’s such a joy”
Nesta correria nascem “Julia”, “I’m So Tired”, “Across the Universe”, ”Blackbird”, “Mother Nature’s Son” e tantas outras, num misto de fé arrebatadora na paz e total cepticismo em relação ao novo ano, canções proféticas que advinhavam todas as convulsões contraditórias de 68:
“You say you want a revolution
Well, you know
We all want to change the world”
Well, you know
We all want to change the world”
“Eu assisti o nascimento de ‘Ob-La-Di, Ob-La-Da’”, garante Paul Saltzman, que tem tudo fotografado. E se está a desdenhar quando ouve este testemunho, é garantido que é melhor assistir ao nascimento de uma canção dos Beatles que não assistir a nenhuma. “Devo ter ouvido outras, mas não reconheci, na ‘Ob-La-Di, Ob-La-Da’ eles inventaram primeiro o refrão, que tocavam insistentemente ao longo da tarde, iam experimentando, até que o Paul olhou para mim e disse: ‘Até agora só temos isto’. E foi descansar”.
“Foi um período muito importante na história de todos aqueles músicos”, garante Jenny Boyd. “E apesar de termos saído dali de forma abrupta, todos conseguiram material muito bom para gravar”. Para Donovan, que lançaria nesse ano o álbum The Hurdy Gurdy Man, a inspiração estava mesmo na beleza de Jenny, cabelo dourado com lilases e olhar sonhador. “Eu era uma menina muito tímida de 19 anos e não tinha a mínima ideia que o Donovan se sentia assim por mim”, diz sobre o adorável single “Jennifer Juniper”. “As palavras da canção são de amor, senti-me honrada por ter uma música sobre mim, e hoje, sempre que a ouço novamente, lembra-me de um tempo distante, onde éramos todos jovens e inocentes”.
fonte/source: Observador e Livemint
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