O músico e produtor da banda Cavina,Matteus Cavina,foi convidado pelo Wikimetal para um evento em Londres para a audição da nova edição do Álbum Branco de 50 anos e contou a sua experiência:
O evento aconteceu nos estúdios da BBC em Maida Vale em Londres dua 24 de setembro e teve inicio às 14:30
O local fica a poucos quarteirões do lendário estúdio Abbey Road aonde o disco foi gravado
Ao entrar já percebi que era um evento para pouquíssimas pessoas, o que me deixou ainda mais lisonjeado por estar ali.
Eu estava em um estúdio da BBC desativado para gravações desde os anos 70. Havia inclusive uma placa dourada em cima da cabine do engenheiro de som com os dizeres: “Bing Crosby fez sua última gravação neste estúdio em 11/10/1977”. Cosby faleceu apenas três dias depois. E por todos os cantos da enorme sala, assim como no teto, haviam caixas de som de alta qualidade em Stereo Sound.
Às 14:40 em ponto algumas faixas do 9o. álbum de estúdio dos Beatles, cujo título oficial é The Beatles, começaram a ser tocadas enquanto os convidados ainda estavam chegando, tirando fotos do local e sentando aleatoriamente em poltronas enfileiradas na frente de um pequeno palco iluminado.
A primeira musica foi “Back in the U.S.S.R”. A faixa que abre o álbum foi seguida por “Helter Skelter”, “While My Guitar Gently Weeps”, “Blackbird”, “Julia” e “Birthday”.
Algumas versões como “Blackbird” estavam na voz de uma cantora que não pude identificar.
Outras eram versões ao vivo e de estúdio com os Beatles. Essa introdução foi mais para nos entreter uma vez que a audição ainda não havia começado oficialmente.
Em seguida uma voz surge dizendo para todos se sentarem para dar início ao evento.
Eis que surge então Giles Martin, acompanhado de um entrevistador. Os dois se sentam ao centro do pequeno palco.
Ele inicia o evento dizendo como é dificil a missão de remixar e remasterizar os catálogos dos Beatles:
“Em uma obra clássica como o White Album, qualquer mínima e sutil alteração, soa muito alto aos ouvidos daqueles que conhecem e apreciam essa obra”.
Martin já havia feito o mesmo com Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. E ainda brincou dizendo que “Paul (McCartney) liga todo dia querendo opinar sobre o que ele deve fazer nas mixagens.”
Em seguida, Martin fala um pouco sobre seu pai, George Martin, dizendo que na época era sempre assim: John e Paul viviam ligando ou indo na casa dele para mexer nisso, alterar aquilo e que ele já está acostumado a lidar com Paul.
Giles continua a entrevista contando que os Beatles estavam passando por um período de muitas mudanças durante as gravações do White Album e compartilhando muitas curiosidades:
Sobre o fato do album ser muito longo pois George Harrison e Ringo Starr não queriam abrir mão de suas composições. Sobre a banda ter ido buscar inspiração na India. E um pouco sobre John Lennon e Paul McCartney que traziam suas respectivas mulheres para as gravações. E que isso às vezes interferia e muito na atmosfera das gravações e no processo criativo, principalmente para Lennon.
Giles Martin falou também sobre a participação de Eric Clapton em “While My Guitar Gently Weeps” onde ele conta que George Harrison num belo dia apareceu no estúdio com Clapton e disse: “Eric veio gravar minha música. Ele é meu amigo e o maior guitarrista do mundo, então é ele que vai fazer o solo.”
E ninguém disse nada, apenas rolou e Clapton nos ensaios fazia solos sempre incríveis e diferentes a cada take.
Sobre “While My Guitar Gently Weeps” ainda, Giles revelou que na versão do álbum quem gravou o baixo foi John Lennon pois Paul não estava lá no dia.
Em seguida fez outra revelação dizendo que em “Dear Prudence” foi Paul quem gravou a bateria pois Ringo havia “saído da banda” depois de uma discussão mas voltou quatro dias depois.
Paul deixou a bateria montada no estúdio como um embrulho de presente com um bilhete dizendo “você é o melhor baterista do mundo, eu te amo.”
Mas a versão que ficou no disco foi a com Paul na bateria.
Giles anuncia então que encontrou há tempos dezenas de rolos de fitas das gravações do White Album com demos desconhecidas de todo o público e trechos de gravações que nem ele havia ouvido. E que iríamos ouvir 3 sessões, cada uma com 5 dessas gravações que ele iria comentar.
E assim, se iniciaram as sessões das “Unreleased Demos and Session Recordings From The White Album”.
A primeira sessão inicia com “Back in the U.S.S.R.” totalmente acústica com Paul tocando e cantando certas partes e John outras. Porém sem ainda os clássicos “uh uh uh uh” dos backing vocals. No meio da música entra o som de uma meia-lua, instrumento de percussão.
A versão era incrível!
Em seguida “Not Guilty” só voz e violão, na voz de George Harrison.
“Ob-La-Di, Ob-La-Da” também totalmente acústica com Paul cantando a primeira parte. Na segunda, John canta enquanto Paul “vocaliza” o que viria a ser os arranjos de guitarra na versão original.
A última música da primeira sessão é “Child of Nature” com apenas Lennon na voz e violão. Essa música viria a ser “Jealous Guy” no futuro.
A próxima foi “Julia” também com Lennon só na voz e violão. Quase na metade da música, John pára e fala ao produtor George Martin:
“É difícil tocar e cantar. Ou toco bem e canto mal ou canto bem e toco mal.”
E era possível ouvir a voz de Martin ao fundo dizendo: “Faça mais uma vez, do seu jeito”. E John apenas começa dedilhando o violão e canta e toca de forma que arrepiou a todos os que estavam presentes.
Na minha frente, pessoas do alto escalão de gravadoras e um deles tirou até um lenço para enxugar as lágrimas. Sério, foi assim mesmo.
Terminada a primeira sessão, Giles diz em tom de brincadeira para quebrar o clima que se houvesse o “MTV Unplugged” naquela época os Beatles o teriam feito daquela forma.
A segunda sessão inicia com “While My Guitar Gently Weeps” já com banda e arranjos de guitarra totalmente diferentes.
Não precisou falar que era Eric Clapton improvisando arranjos e solos durante a música toda. Essa versão eu achei sensacional, especialmente pelos arranjos de Clapton.
Na sequência “Mother’s Nature Son” com Paul na voz e violão e alguns arranjos de outro violão acompanhado de uma linha de baixo.
A proxima “Why Don’t We Do It in the Road” acústica, porém com bateria e baixo, na voz de Paul. Um formato muito mais cru que deixou a música com uma pegada mais “blues”.
Nessa mesma pegada e formato ouvimos “Yer Blues”. Simplesmente sensacional!
E para finalizar a 2a. sessão: “Don’t Pass Me By” de Ringo. A versão tocada traz o baterista cantando em um único take, o que não foi legal de ouvir. E a banda de fundo fazendo o possível, inclusive com vozes de Lennon e McCartney para ajudar na performance de Ringo.
Na verdade, ao final de “Yer Blues”, Giles volta para apresentar a próxima sessão e alguém o avisa que ainda faltava uma. Ele então ri e diz:
photo by Peter Paphides
“É verdade, falta a última que é a composição do Ringo. Quase me esqueci, mas não podemos esquecer da música do Ringo, não é mesmo?”. Foi então que iniciou “Don’t Pass Me By”. Todos riram muito.
Antes de iniciar a sessão final, Giles fala sobre como seu pai achava bonito os arranjos de guitarra da introdução de “Dear Prudence” e anuncia que essa será a próxima.
A versão, também acústica, é de arrepiar principalmente pela performance vocal de John.
A próxima “Long, Long, Long” em versão com banda mas alguns arranjos diferentes. A performance vocal de John é muito mais intensa. Adorei a versão dessa demo em particular.
Em seguida “Cry Baby Cry” mais crua também, porém com o piano e guitarra muito presentes.
A penúltima foi “I Will” que estava bem próxima da versão original, porém com menos arranjos.
E antes de finalizar, Giles anuncia que a última seria “Brithday”. Uma das poucas músicas gravadas em um clima muito feliz e harmonioso entre a banda. A gravação ocorreu depois de uma festa que eles fizeram com intuito de se aproximarem novamente, o que ajudou muito na performance. Versão bem legal também.
Por fim, Giles abriu espaço para algumas perguntas, uma delas era sobre em quantos takes eles costumavam gravar a versão final e ele apenas respondeu que John e Paul levavam “um take e meio” e sorriu.
Todos então aplaudiram muito, pois durante a audição o silêncio reinava na sala, apenas as músicas soavam em alto, limpo e perfeito som.
Giles agradeceu a presença de todos e desceu do palco. Aproveitei o momento e me dirigi a ele. Depois de me apresentar, agradeci pela contribuição dele e de seu pai para a história da música e da minha vida.
Ele apenas respondeu:
“Obrigado Matteus. Música é a minha vida e sempre foi a do meu pai também. Obrigado por sua presença aqui”.
“Obrigado Matteus. Música é a minha vida e sempre foi a do meu pai também. Obrigado por sua presença aqui”.
Perguntei se poderia fazer uma selfie e ele muito gentil me respondeu sorridente: “mas é claro que sim”.
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